terça-feira, 6 de novembro de 2012

Livro super legal de ler



Fala sério, amor! –  Thalita Rebouças


8 anos

Um pato no meio do caminho

Meu segundo namorado foi o filho de uma vizinha, o Mateus. Toda vez que minha mãe ia para a casa dela falar da vida alheia, eu ia junto pra brincar com ele.
Era aquele namoro bobo, sabe? A gente dava um selinho muito do sem graça e molhadinho demais pro meu gosto e ficava por isso mesmo.
Eles moravam na cobertura, que tinha um terraço com muitas plantas, um campo de futebol, gato, cachorro e uma vista bem bacana. Um dia, ele me fez ir até o terraço para ver seu novo bichinho de estimação. Estava esperando mais um cachorrinho, um hamster (aquele rato metido a besta que todo mundo ama, mas eu odeio), um miquinho (que também me dá nervoso), ou algo do gênero. Eis que, para a minha surpresa, sai de um curralzinho Marcelino. Marcelino não era um bicho qualquer. Marcelino era um pato. Um pato!

 
— Pato, não! Marcelino é marreco, Malu, é diferente! — Mateus fez o favor de explicar.
Sempre fui avessa a bichos de penas. Galos, pintos, pombos, pavões, andorinhas, beija-flores... nunca gostei nem de chegar perto. De repente, eu vejo um pato na minha frente. Pato, aquele bicho idiota e sem iniciativa que não faz outra coisa a não ser qüé-qüé, é fanho, tem bico achatado, o pé horrendo (pé de pato, pô!), o andar esquisito de quem queria ser pingüim e uma cara mal-humorada que me dá frio na espinha.


— Vem cá, Malu! Ele é filhote!
— Não, eu tô bem aqui! — disse, colada aos degraus que separavam a escada do curralzinho.
— Vem, Malu, deixa de ser boba! Não vai me dizer que tem medo de marreco!
— Claro que não! É que pato fede! E eu odeio bicho fedorento. Só isso.
— Aí, que fresca! Meu marreco não fede, não, tá? É limpinho.
— Tô sentindo o cheiro dele daqui.
— Malu, você tem que trabalhar melhor essa sua relação com o mundo animal... A gente é animal, sabia?
— Animal racional, dâ-â! E eu não sou uma pessoa ligada a bichos, isso não tem nada de mais.
— Eu se fosse você perderia esse medo. Bichos são legais.
— Eu gosto de bichos. Só não amo bichos...
— Então por que fugiu do filhote do cocker spaniel da dona Zazá do segundo andar? Ela ficou magoada...
— Cachorro esquisito, veio pra cima de mim querendo me lamber! Nem me conhecia e já veio cheio de intimidade! E se ele me desse uma mordida?
— Ele é neném, Malu!
— Mas tem boca e dentes! Podia me morder. Eu gosto de bichos na floresta, nos filmes...
— Tá bom, deixa de ser medrosa, vai. Eu tô aqui, o Marcelino não vai fazer nada, você não confia em mim?
— Arrã... — disse, zero confiante.
— Então desce. Vem aqui fazer carinho nele.
Lutando contra todos os meus temores, desci a escada e, quando vi, estava no mesmo chão que o pato fedorento.
— Dá um beijinho no Marcelino.
— Fala sério, Mateus! Tá maluco?
O pato idiota começou a ficar agitado. A fazer qüé-qüés esquisitos, a bater as asas, parecia querer levantar vôo.
Assustada, comentei:
— O é que é isso? O que deu nesse bicho?
— Iihhhh... Agora que reparei... você tá de vermelho.
— E o que é que tem?
— Bicho de pena não pode ver vermelho que...
— Que o quê, Mateus?
Mateus não teve tempo de responder. O idiota do pato saiu correndo atrás de mim como se fosse um touro. Corri em círculos pelo campo de futebol com um pato imbecil atrás de mim fazendo qüé-qüé em looping, louco para me bicar e me matar sufocada com seu fedor e suas penas horrorosas e sujas.
Chorava como se estivesse no meio do pior dos pesadelos.
— Corre atrás dela, Marcelino. Pega ela! — gritou Danilo, irmão mais velho do Mateus, para o pato assassino.
— Pára, gente! Me tira daqui, Mateus! — berrei para ninguém, já que Mateus rolava de rir ao lado do irmão.
— Marreco não pode ver gente de vermelho que acha que tem que perseguir! — explicou Mateus, rindo como se estivesse vendo uma comédia pastelão.
— E por que você não me disse isso antes, seu demente?
Ouvindo a gritaria, nossas mães apareceram na janela.
— O que foi, filha?
— Esse bicho idiota quer me matar, mãe! Eu vou morrer assassinada por um bicho de dois palmos de altura! Que fim terrívelll! — expliquei quase sem fôlego e aos prantos, enquanto corria em velocidade de maratonista.
— Pega o pato, Mateus! — ordenou a mãe dos meninos.
— É marreco, mãe!
Cena grotesca: Mateus e Danilo correndo atrás do pato que corria atrás de mim.
Depois de algumas voltas, eu suando de tanto correr e temer uma tragédia, o pato foi pego e a paz voltou a reinar. Com o fôlego retomado e o choro suspenso, perguntei a mãe do Mateus, injuriada:
— Tia Cidinha, por que você deu um pato pros meninos? Que presente louco é esse?
Depois descobri pela minha mãe, que soube pela Cidinha, que Mateus não queria mais namorar comigo e, sabendo do meu medo de bichos de pena, achou que um pato seria um ótimo motivo para eu me separar dele. Podia ter dito que não queria mais, teria sido muito mais fácil. Até porque eu já não estava mais a fim de ficar com ele. Além de ele ter muitos bichos para o meu gosto, ele tinha, crueldade das crueldades, passarinhos coloridos numa gaiola. Deprimente!
Depois dessa experiência com o pato psicopata (praticamente um psicopato), passei a odiar o Mateus. E patos.
Odiar não é bem a palavra. Eu tenho medo de patos. Eu sei, essa frase soa ridícula, mas fazer o quê?
Pato pra mim, só o Pato Donald. E olhe lá.


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